Humano, Desumano
Acredito haja, no homem, o sopro divino. Mas é apenas um sopro. Que, em meu entender, ou é aspirado ou se esvai como brisa que passa. Nascemos primatas diferenciados, nada mais do que isso. O sopro, se absorvido, dá-nos condições de, a pouco e pouco, iniciarmos a longa jornada para nos transformarmos em humanos. Logo, ser humano é uma construção a partir de um simples sopro inexplicável. Quem não o absorve continua primata, com racionalidade de primata.
Uma das mais antigas e clássicas definições de homem resulta do confronto entre o Homem e Deus. E é aquela que — pelo menos para mim — se me tornou causa de angústia permanente: “O homem, feito à imagem e semelhança de Deus”. Isso me parece delírio, tolice ou farsa para enganar bobo. Que Deus seria esse cuja imagem é, por exemplo, de um São Francisco, de uma Tereza de Calcutá e também a de políticos sórdidos, bandidos irrecuperáveis, estupradores, pedófilos? Como admitir que um Fernandinho Beira Mar tenha sido produzido “à imagem e semelhança de Deus”? Algo está errado. Ou, então, Deus não sabe separar joio do trigo.
Outras das muitas definições: o homem, como “animal racional”, “o único capaz de ciência”, “o único animal que possui razão”. E que — portanto e em tese — pode diferenciar o útil do maléfico, o justo do injusto. Que animal, todavia, é mais predador, causa mais malefícios, propaga e difunde o ódio, é tão cruel e pérfido quanto o homem, o bicho homem? Qual imagem ou semelhança de Deus há nesse animal, a não ser, então, a de um deus mau e odioso? E qual a razão que orienta esse primata predador? Nesses casos, a razão não seria muito mais um mal do que um bem?
Não há uma só humanidade, mas diversas, embora continuemos a chamar de humanos esses primata diferenciados. A verdadeira humanidade é resultado de uma construção árdua e difícil, como se estivéssemos plasmando e amoldando um amontoado de barro. Humanidade é essa forma acabada, completa, refinada, ideal