História e realidade
A estória da índia Yarima não me sai da cabeça. Ela resiste às decepcionantes notícias políticas, atabaques do carnaval e me salva diante do desespero de tentar dar um telefonema nas linhas da Telerj. É que a estória dessa índia Ianomãmi fala de uma coisa forte; da força que tem o lugar em que nascemos: a nossa aldeia, a nossa tribo, a nossa selva, e nos ajuda a relativar essa coisa luxuriante e traiçoeira a que chamamos civilização.
Hoje Yarima tem 28 anos. Olho o seu retrato, o seu rosto emergindo de um raio de luz e sombra, em meio as árvores. Cabelos curtos, uma expressão bonita, o nariz atravessado por um adorno, como se fosse de osso ou graveto. Há uma pintura na testa, em forma de V, da franja até as sobrancelhas. Os olhos bem delineados parecem até pintados por um Caravaggio. São artes do fotógrafo Valdir Cruz, que a encontrou na Floresta Amazônica. Um colar de contas claras e escuras percorre-lhe o colo singelamente.
Parece-me linda essa índia. Tão linda quanto enigmática.
Não sei se outras fotos e outros fatos porão por terra essa primeira impressão. Mas se é isto o que por ora sinto, é isto o que lhe conto.
Sua biografia sofreu uma súbita transformação aos 14 anos. Falar de biografia soa até estranho no caso de uma índia. A antropologia antiga ensinava que os primitivos não tinham história. Imaginem! Lévi-Strauss tentando moderniza-lá chegou a amenizar um pouco essa arrogância ao falar que eles, os selvagens, teriam uma “história fria” e nós uma “história quente”. Isto já se vê, é uma gélida distorção etnocêntrica.
Igualmente, a gente pensa que formiga não tem história. Tem. Qualquer formiga tem história, mesmo se não tiver CPF. Todo ser vivo tem memória e singularidade. Portanto, minha índia já tinha uma biografia sob imensas árvores na fronteira do Brasil com a Venezuela quando o antropólogo americano Ken Good lá aterrissou, apaixonou-se por ela e com ela se casou.
Fez mal ou fez bem esse americano cujo sobrenome