Historia
Se algum dia alguém resolvesse escrever uma versão brasileira do Dom Quixote, não tenho dúvidas de que o cavaleiro da triste figura deveria ser representado pelo folião do Bloco do Eu Sozinho. É isso mesmo: o Quixote brasileiro é aquele sujeito que vestiu a fantasia e saiu às ruas no carnaval rigorosamente solitário ou, no máximo, na companhia de desajeitados escudeiros catados à sorrelfa em alguma esquina.
Esse folião está em vias de se extinguir, engolido pelas multidões coreografadas, submerso em materiais de propaganda de empresas que patrocinam a folia e atropelado por caminhões de som com amplificadores potentes. Não bastasse isso, se o solitário folião consegue um espaço para erguer o seu estandarte e sair cantando a Jardineira, é capaz de ser abordado por um fiscal da prefeitura em busca do alvará que lhe conceda a licença para cair na gandaia.
Sempre fui defensor de uma idéia que não tem lá muitos adeptos: os maiores foliões são os tristes. O tríduo não foi feito para os festeiros escancarados, os baianos de ocasião, as polainas desvairadas do sonho bom, os colecionadores de abadas. O legítimo folião não programa o carnaval; sabe apenas que vai para a rua imolar-se nos blocos e cordões e morrer até a quarta-feira de cinzas, quando ressuscitará como burocrata, marido, esposa, professor ou escriturário, para o longo e medíocre intervalo cotidiano entre um carnaval e outro.
A idéia de se transformar o carnaval de rua em uma eterna micareta no balneário dos grandes eventos – e os conseqüentes dilemas que envolvem as relações entre o poder público e as agremiações carnavalescas – envolve o risco de matar o folião espontâneo, comandante de uma armada de piratas, colombinas, índios, faraós e árabes que vão se juntando sem trajeto definido, horário de partida ou de chegada.
Durante a Primeira República, o governo resolveu alterar a data do Carnaval de 1912, em virtude do falecimento do barão do Rio Branco. Quando correu a notícia