Historia e memoria
A Memória, no sentido primeiro da expressão, é a presença do passado. A memória é uma construção psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passado, que nunca é somente aquela do indivíduo, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar, social, nacional. Na perspectiva de Maurice Halbwachs
(1877-1945), toda memória é “coletiva”. Ou ainda, conforme Henry Rousso, “seu atributo mais imediato é garantir a continuidade do tempo e permitir resistir à alteridade, ao ‘tempo que muda’, as rupturas que são o destino de toda vida humana; em suma, ela constitui – eis uma banalidade – um elemento essencial da identidade, da percepção de si e dos outros”.(ROUSSO, 1998, pp.94-95).
Como lembrou Jacques Le Goff, foram os gregos antigos quem fizeram da
Memória uma deusa, de nome Mnemosine. Ela era a mãe das nove musas procriadas no curso de nove noites passadas com Zeus. Mnemosine lembrava aos homens a recordação dos heróis e dos seus grandes feitos, preside a poesia lírica. Deste modo, o poeta era um homem possuído pela memória, um adivinho do passado, a testemunha inspirada nos “tempos antigos”, da idade heróica e, por isso, da idade das origens.
Portanto, na mitologia grega, as musas dominavam a ciência universal e inspiravam as chamadas artes liberais. As nove filhas de Mnemosine eram: Clio
(história), Euterpe (música), Talia (comédia), Melpômene (tragédia), Terpsícore
(dança), Erato (elegia), Polínia (poesia lírica), Urânia (astronomia) e Calíope
(eloqüência). Assim, de acordo com essa construção mítica, a história é filha da memória. Entretanto, os cerca de vinte e cinco séculos de existência da historiografia demonstram uma relação ambígua e tensa entre Mnemosine e Clio
As últimas três décadas do século XX foram marcadas, entre inúmeras outras transformações ocorridas na História, por uma reavaliação das complexas relações que vinculam e que separam a história e a memória.