Formação continuada lingua portuguesa
3ª Série do Ensino Médio | 3º Bimestre | 1º Ciclo
Versão Professor
TEXTO GERADOR I
O texto gerador a seguir é um trecho do romance Venenos de Deus, remédios do diabo: as incuráveis vidas de Vila Cacimba, do moçambicano Mia Couto. Integra, portanto, o romance de literaturas africanas. No trecho abaixo, apresenta-se um diálogo entre Bartolomeu Sozinho (ex-mecânico naval da Companhia de Navegação Colonial e nativo de Vila Cacimba, uma vila imaginária em Moçambique) e Dr. Sidónio Rosa (médico local, de nacionalidade portuguesa). Venenos de Deus, remédios do diabo: as incuráveis vidas de Vila Cacimba (COUTO, Mia. Venenos de Deus, remédios do diabo: as incuráveis vidas de Vila Cacimba. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, pp. 110-113) – Noutro dia, você zangou-se comigo porque eu não o chamava pelo seu nome inteiro. Mas eu conheço o seu segredo. – Não tenho segredos. Quem tem segredos são as mulheres. – O seu nome é Tsotsi. Bartolomeu Tsotsi. – Quem lhe contou isso? De certeza que foi o cabrão do Administrador. Acabrunhado, Bartolomeu aceitou. Primeiro, foram os outros que lhe mudaram o nome, no baptismo. Depois, quando pôde voltar a ser ele mesmo, já tinha aprendido a ter vergonha de seu nome original. Ele se colonizara a si mesmo. E Tsotsi dera origem a Sozinho [Bartolomeu Sozinho]. – Eu sonhava ser mecânico, para consertar o mundo. Mas aqui para nós que ninguém nos ouve: um mecânico pode chamar-se Tsotsi? – Ini nkabe dziua. – Ah, o Doutor já anda a aprender a língua deles? – Deles? Afinal, já não é a sua língua? – Não sei, eu já nem sei... O português confessa sentir inveja de não ter duas línguas. E poder usar uma delas para perder o passado. E outra para ludibriar o presente. – A propósito de língua, sabe uma coisa, Doutor Sidonho? Eu já me estou a desmulatar. E exibe a língua, olhos cerrados, boca escancarada. O médico franze o sobrolho,