Do grande livro de Rusche e Kirchheimer20 podemos guardar algumas referências essenciais. Abandonar em primeiro lugar a ilusão de que a penalidade é antes de tudo (se não exclusivamente) uma maneira de reprimir os delitos e que nesse papel, de acordo com as formas sociais, os sistemas políticos ou as crenças, ela pode ser severa ou indulgente, voltar-se para a expiação ou procurar obter uma reparação, aplicar-se em perseguir o indivíduo ou em atribuir responsabilidades coletivas. Analisar antes os “sistemas punitivos concretos”, estudá-los como fenômenos sociais que não podem ser explicados unicamente pela armadura jurídica da sociedade nem por suas opções éticas fundamentais; recolocá-los em seu campo de funcionamento onde a sanção dos crimes não é o único elemento; mostrar que as medidas punitivas não são simplesmente mecanismos “negativos” que permitem reprimir, impedir, excluir, suprimir; mas que elas estão ligadas a toda uma série de efeitos positivos e úteis que elas têm por encargo sustentar (e nesse sentido, se os castigos legais são feitos para sancionar as infrações, pode-se dizer que a definição das infrações e sua repressão são feitas em compensação para manter os mecanismos punitivos e suas funções). Nessa linha, Rusche e Kirchheimer estabeleceram a relação entre os vários regimes punitivos e os sistemas de produção em que se efetuam: assim, numa economia servil, os mecanismos punitivos teriam como papel trazer mão-de-obra suplementar — e constituir uma escravidão “civil” ao lado da que é fornecida pelas guerras ou pelo comércio; com o feudalismo, e numa época em que a moeda e a produção estão pouco desenvolvidas, assistiríamos a um brusco crescimento dos castigos corporais — sendo o corpo na maior parte dos casos o único bem acessível; a casa de correção — o Hospital Geral, o Spinhuis ou Rasphuis
— o trabalho obrigatório, a manufatura penal apareceriam com o desenvolvimento da economia de comércio. Mas