final - releitura O auto da barca do inferno
Corregedor — Isso eu não o tomava eram lá percalços seus. Não são pecados meus, são pecados dela
Diabo —Ora entrai, nos negros fados! Ireis ao lago dos cães e verá os escrivães como estão tão prosperados.
Corregedor — E na terra dos danados estão os Evangelistas?
Diabo — Os mestres das burlas vistas lá estão bem feitos Estando o Corregedor nesta prática com o Arrais infernal chegou um
Procurador, carregado de livros, e diz o Corregedor ao Procurador:
Corregedor — Ó senhor Procurador!
Procurador Beija as mãos, Juiz! Que diz esse arrais? Que diz?
Diabo — Que és bom remador. Entra, bacharel doutor, e ireis dando na bomba.
Procurador — E este barqueiro zomba...Gosta de zombar? Essa gente que aí está para onde a levais?
Diabo — Para as penas infernais.
Procurador — Diz! Não vou eu para lá! Outro navio está cá, muito melhor assombrado.
Diabo — Ora estás bem aviado! Entra!
Corregedor — Confessaste-vos, doutor?
Procurador — Bacharel som. Dou-me à Demo! Não cuidei que era extremo, nem de morte minha dor.E vós, senhor Corregedor?
Corregedor — Eu mui bem me confessei, mas tudo quanto roubei encobri ao confessor... Porque, se não voltar, não vos querem absolver,
Diabo — Pois porque não embarcais?
Procurador — Que estou esperando Deus
Diabo — Embarque no meu barco Para que esperar mais? Vão-se ambos ao batel da Glória, e, chegando, diz o Corregedor ao Anjo:
Corregedor — Ó arrais dos gloriosos, passai-nos neste batel!
Anjo — Oh! pragas para papel, para as almas odiosos! Como vem preciosos, sendo filhos da ciência!
Corregedor — Oh! clemência e passai-nos como vossos!
Corregedor — Oh! não nos sejas contrários, pois nom temos outra ponte!
Anjo — A justiça divinal vos manda vir carregados porque vades embarcados nesse batel infernal.
Corregedor — Oh! não praza a São Marçal! com ribeira, nem com rio!
Cuidam lá que é desvario haver cá tamanho mal!