Filme estômago
A diegese está centrada na metamorfose de (João Miguel) Raimundo Nonato – um migrante nordestino pobre, sem cultura e sem profissão definida, que tenta conquistar um espaço potencialmente hostil, no sul do país. Sua história, aparentemente, não é de rejeição, nem de exclusão, mas sim a de um homem tranquilo e humilde, que tem oportunidade de inclusão social graças a seus dons culinários. É primorosa a construção de Nonato como um ser ambíguo por excelência, enigmático, aparentemente frágil e ingênuo. Afinal, o cozinheiro é apresentado sem a afirmação de uma identidade pré-existente: dele nada se sabe, antes de sua chegada a Curitiba.
O protagonista, “exilado” na capital sulina, passa por um processo psíquico de construção identitária, que pode ser vinculado ao drama do pertencimento. É nesse sentido que considero pertinente relacionar a fragmentada prática discursiva que conduz a diegese fílmica ao contexto das teorias pós-colonialistas. Segundo o pensamento de Homi Bhabha, um sujeito sempre está em relação diferencial com o Outro e é marcado pela duplicidade, o que lhe confere um certo "ar de incerteza", de um corpo sob a ameaça constante do ser "desmembrado", como afirma o autor:
Assim, em termos psíquicos, a identidade nunca existe a-priori, nunca é um produto acabado; sempre é apenas o processo problemático de acesso a uma imagem de totalidade. [...] O acesso à imagem da identidade só é possível através da negação de um senso de originalidade ou plenitude, através do princípio do deslocamento e diferenciação (ausência/presença; representação/repetição) que sempre a torna uma realidade ambígua. A imagem é, ao mesmo tempo, uma substituição metafórica, uma ilusão de presença e, por isso mesmo uma metonímia, signo da ausência e perda da presença. (BHABHA, 1986, p.