Família
SESC São Paulo | outubro 2003
Painel: Família e Relacionamento de Gerações
Tai Castilho
Na casa de meu pai, quando era menina, à mesa, se eu ou meus irmãos virávamos o copo na toalha, ou deixávamos cair uma faca, a voz dele trovejava:- Não sejam malcriados! Se molhávamos o pão no molho, gritava: - Não lambam os pratos! Não façam baboseiras! Não façam melecas! (...) Tinha pela Inglaterra a mais elevada estima. Achava que era o maior exemplo de civilização do mundo...Era muito severo em seus julgamentos e chamava todos de imbecis... Um “negro”, para meu pai, era quem tinha maneiras deselegantes, estabanadas e tímidas, quem se vestia de modo impróprio, quem não sabia ir à montanha, quem não sabia línguas estrangeiras. Todo gesto nosso impróprio era taxado por ele de “uma negrice” (...Minha mãe chamava passear na montanha de” divertimento que o diabo dá a seus filhos”, e ela sempre tentava ficar em casa, principalmente quando se tratava de comer fora; porque, depois de comer, gostava de ler o jornal e dormir sem ser incomodada, no sofá. Passávamos sempre o verão nas montanhas (...) Na montanha, porém, quando não ia fazer escaladas ou passeios que duravam até a tardezinha, meu pai ia, todos os dias, caminhar (...) às vezes, obrigava minha mãe a acompanhá-lo.......Minha mãe, dócil, o acompanhava (.;.) -– Você cortou o cabelo de novo, que besta você é, dizia meu pai (...) Habitualmente nestas temporadas, minha avó, mãe de meu pai, vinha conosco (...) Todos os dias, meu pai a levava para caminhar um pouco (... ela nunca queria andar no mesmo caminho -Este é o caminho de ontem, queixava-se, e meu pai, sem se voltar, dizia-lhe distraído:- Não, é outro, mas ela continuava repetindo:- É o caminho de ontem.Estou com uma tosse que me sufoca, dizia logo depois a meu pai, que seguia sempre adiante e não se voltava (...) Meus irmãos e minha mãe às vezes se queixavam de tédio durante as temporadas na montanha