Evans Pritchard
!
E.E. Evans-Pritchard
Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande
Edição resumida e introdução:
Eva Gillies
Tradução:
Eduardo Viveiros de Castro
Jorge Zahar Editor
Rio de Janeiro
BSCSH i
,
"
r
CAPITULO II
A noção de bruxaria como explicação de infortúnios
I
Da forma como os Azande os concebem, bruxos não podem evidentemente existir. No entanto, o conceito de bruxaria fornece a eles uma filosofia natural por meio da qual explicam para si mesmos as relações entre os homens e o infortúnio, e um meio rápido e estereotipado de reação aos eventos funestos. As crenças sobre bruxaria compreendem, além disso, um sistema de valores que regula a conduta humana.
A bruxaria é onipresente. Ela desempenha um papel em todas as atividades da vida zande: na agricultura, pesca e caça; na vida cotidiana dos grupos domésticos tanto quanto na vida comunal do distrito e da corte. É um tópico importante da vida mental, desenhando o horizonte de um vasto panorama de oráculos e magia; sua influência está claramente estampada na lei e na moral, na etiqueta e na religião; ela sobressai na tecnologia e na linguagem. Não existe nicho ou recanto da cultura zande em que não se insinue. Se uma praga ataca a colheita de amendoim, foi bruxaria; se o mato é batido em vão em busca de caça, foi bruxaria; se as mulheres esvaziam laboriosamente a água de uma lagoa e conseguem apenas uns míseros peixinhos, foi bruxaria; se as tér-
mitas não aparecem quando era hora de sua revoada, e uma noite fria é perdida à espera de seu vôo, foi bruxaria; se uma esposa está mal-humorada e trata seu marido com indiferença, foi bruxaria; se um príncipe está frio e distante com seu súdito, foi bruxaria; se um rito mágico fracassa em seu propósito, foi bruxaria; na verdade, qualquer insucesso ou infortúnio que se abata sobre qualquer pessoa, a qualquer hora e em relação a qualquer das múltiplas atividades da vida, ele pode ser atribuído à bruxaria. O zande atribui todos esses infortúnios à bruxaria, a menos