estudante
No poema «Adeus», de Eugénio de Andrade, a relação amorosa é apresentada retrospetivamente por um dos apaixonados que, revendo-a numa perspetiva crítica, se despede do Tu com argumentos que salientam o excesso de palavras (e de gestos) trocadas entre ambos no passado recente que antecede o momento do «adeus».
Ao afirmar «Já gastámos as palavras pela rua, meu amor», o emprego anafórico do verbo «gastar» ao longo do poema revela a perceção da inutilidade do que foi dito e de todos os esforços despendidos por ambos para salvar o que o Eu vê como irremediável e, ainda, o cansaço, a frustração, o desejo de calar e de afastar definitivamente o Tu com um argumento de peso:
«o que nos ficou não chega/ para afastar o frio de quatro paredes» e, sobretudo, o desejo de partir e de esquecer tudo o que se passou entre ambos porque, na perspetiva do Eu, «O passado é inútil como um trapo». O vocativo «meu amor» atenua a dureza da apreciação dos últimos acontecimentos pelo Eu que, racional, se esforça por mostrar ao Tu (presente, embora inaudível) que a recuperação do «tempo dos segredos» é impossível e por isso «Quando agora digo: meu amor,/ já não se passa absolutamente nada».
Recordar o passado é inútil porque a magia passou e o Eu vive no «agora» e quer livrar-se quer do tempo do «antigamente», quer do passado recente marcado pelo desgaste das palavras, dos gestos e da paciência.
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio. gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis. Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Ás vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.