Entre a Escravidão e o Trabalho Livre.
Escravos e Imigrantes nas Obras de
Construção das Ferrovias no Brasil no
Século XIX
Maria Lúcia Lamounier
Professora do Departamento de Economia, Universidade de São Paulo
(FEA-RP/USP), Brasil
Resumo
Em 1850, a extinção do tráfico internacional de escravos intensificou a crise de mão-de-obra e o problema de encontrar fontes alternativas de trabalhadores que sustentassem a crescente agricultura de exportação. Em 1852 foram aprovadas medidas efetivas para a construção de ferrovias no nordeste e no sudeste do Brasil. Até
1890, milhares de quilômetros de ferrovias foram construídos no país, especialmente na província de São Paulo. Este texto analisa a natureza e as condições de trabalho nas obras de construção das ferrovias e as políticas de recrutamento das companhias ferroviárias nessa economia de exportação baseada no trabalho escravo. O emprego de trabalhadores escravos, desafiando a legislação vigente na época, e de trabalhadores estrangeiros contratados sob condições e legislações repressivas questionam a idéia de uma associação imediata entre ferrovia e trabalho livre/assalariado.
Palavras-chave: Ferrovias, Trabalhadores da Construção, Escravidão, Imigração,
Brasil
Classificação JEL: N36, N56, N96
Abstract
From the middle of the century through the 1870s, the growth of export production and railway construction were closely inter-related phenomena in the northern and southern provinces of Brazil and shaped the debate about labour. Between 1850 and 1890 several thousands of kilometers of railways were built, most in the coffee region of the province of São Paulo. For much of the period there were complaints about the “scarcity of labour” (“falta de braços”). Railway construction required a great number of engineers and technicians, skilled and semi-skilled workers, but an even larger number of unskilled workers. As such, railway building and operations signalled a profound change in a labour