Documento
Sermão da Sexagésima - Padre Antonio Vieira Pregado na Capela Real, em Lisboa, no ano de 1655, constitui-se numa teorização sobre a arte de pregar e numa crítica aos exageros da oratória sacra cultista ou gongórica.
Vieira ataca especialmente alguns padres dominicanos, cujos sermões eram extremamente rebuscados e vazios de conteúdo, vazios da "palavra de Deus".
É, a rigor, um sermão sobre o Sermão, configurando um discurso metalingüístico.
Aqui o início (exórdio) do Sermão:
SEMEN EST VERBUM DEI
Lucas , VIII
"E se quisesse Deus que este tão ilustre e tão numeroso auditório saísse hoje tão desenganado da pregação, como vem enganado com o pregador!
Ouçamos o Evangelho, e ouçamo-lo todo que todo é do caso que me levou e trouxe de tão longe.
A salvação não pode entrar sem se perdoar o pecado, e o pecado não se perdoa sem se restituir o roubado: Non dimittitur peccatum nisi restituatur ablatum.
Suposta esta primeira verdade, certa e infalível; a segunda verdade é a restituição do alheio sob pena de salvação, não só obrigando aos súditos e particulares, senão também aos cetros e as coroas. Cuidam ou deveriam cuidar alguns príncipes, que assim como são superiores a todos, assim são senhores de tudo; e é engano. A lei da restituição é lei natural e lei divina. Enquanto lei natural obriga aos reis, porque a natureza fez iguais a todos; enquanto lei divina também os obriga; porque Deus, que os fez maiores que os outros, é maior que eles.
Estribado no pensamento filosófico de Santo Tomás de Aquino, de que os príncipes são obrigados a devolver o que tiram de seus súditos, sem ser para a preservação do bem da coletividade, lembrou Vieira terem sido punidos com o cativeiro dos assírios e dos babilônios os reinos de Israel e Judá, porquanto os seus príncipes, em vez de tomarem conta do povo como pastores roubavam o povo como lobos: "Principes ejus