Do naturalismo ao positivismo
Houve momentos históricos em que o direito era a expressão dos costumes consolidados em sociedades que ocupavam territórios relativamente pequenos e dotados de homogeneidade cultural. No imaginário típico dessas culturas, como em toda organização tradicional, os valores tinham um caráter absoluto e inquestionável, e os modos corretos de agir eram aqueles reconhecidos pelos costumes. E o costume ninguém tinha autoridade para modificar, nem mesmo os chefes políticos, que não podem alterar os valores sobre os quais se assentam tanto o seu poder. Essas autoridades até podiam transgredir certas regras sem sofrer punições, mas não fazia parte do seu imaginário a possibilidade da mudança da norma, pois a tradição é sagrada, inclusive aos seus próprios olhos.
A sacralidade da tradição impede o seu questionamento e, nessa medida, não possibilita o surgimento de uma mentalidade reflexiva e histórica, capaz de perceber que somente existem valores criados pelo próprio homem[1]. Isso não quer dizer que os homens criam intencionalmente os seus próprios valores, mas que eles surgem como resultado de processos culturais que ocorrem na convivência humana. Porém, em toda sociedade tradicional, os valores não são percebidos como culturais, mas como naturais, no sentido de que a sua validade independe da cultura e que, por isso, tampouco pode ser alterada por meio de decisões políticas.
Por isso mesmo, o processo de modernização do direito pode ser encarado como uma destradicionalização do direito, que é gradualmente trasladado do campo dos costumes para o campo da política, em uma passagem que modifica profundamente a percepção das relações entre o direito e o indivíduo. Como expressão coletiva, o direito consuetudinário era a expressão de uma determinada tradição cultural, cuja imposição heterônoma às pessoas que compõem a comunidade dispensava qualquer tipo de justificação, pois estava no campo da obviedade. Quer dizer, não existe, nas sociedades