Do canavial elétrico à metrópole
JUSTIFICATIVA
com blocos de barro nos pés, deslizo pelo espaço entre cidades feito um pêndulo que balança lânguido em duas extremidades simetricamente opostas: de um lado a cana, verdade horizonte, do outro o asfalto das minhas artérias. dois universos colidem em magnífica explosão, sendo o continuum de meus dias uma polarização necessária, antes mesmo um contraponto, para a máquina do corpo descarnado; sou um pé de cana-de-açúcar sem raízes na cidade, nítido contraste com o todo que me cerca; talvez seja por isso que escondo-me no pudor quando a cidade pede mais e engasgo as palavras entregando-as à incerteza, pois no dia que sangrei a poesia e bebi de seus versos eu enxerguei seu revés: aberto como as pernas da rua sangrada de menstruação paulistana; quando achei que o mantra urbano me envolvia, desfiz-me de toda sua roupa; mais que cana, sou primata de pelos hirtos absorto em habitat ocasional; enquanto espero mais movimento aproveito e transfiguro sua cara: toda pichada de suor e sangue.
1
177P-10 SANTANA
preso entre prédios e rancor oprimido pela pressa
(cotidiana
ônibus trem trilhos ruas) esse dia amálgama de muitos dias espaço escasso disputado
[paulistano esmagado] a cidade funciona por conta tem seu tempo seu dinheiro suas veias de asfalto-dor pulsando velocidade o homem domestica [constrói]
Frankenstein de aço-concreto-humano
2
MARCAS
lavo meus pés vermelhos encardidos de terra no piso alvo os fios conduzem o escuro artesanato: tecer de água fluindo no caminho certo a escorrer e a correr do meu corpo ainda molhado descoberto da poeira não há mais tormento só o silêncio que me acompanha quando me movimento e desnudo vejo meu mundo as minhas marcas sujas de mim
3
CORREDOR rasga o asfalto cortando cirurgicamente o espaço entre carros
(deve impor-se) buzinando entre retrovisores re-significa o que antes era vazio
[movimento contínuo das faixas]