do abuso do direito
Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas
Por Antonio Menezes Cordeiro – Professor Catedrático de Direito Civil da Universidade de Lisboa
(Estudos em Honra ao Prof. Doutor Antônio Castanheira Neves, o inteiro teor pode ser encontrado em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31559&idsc=45582&ida=45614)
9. Comportamentos típicos abusivos; venire
I. O abuso do direito apresenta-se, afinal, como uma constelação de situações típicas em que o Direito, por exigência do sistema, entende deter uma actuação que, em princípio, se apresentaria como legítima. Compete referir e analisar as situações típicas em causa. Com uma prevenção: não estamos perante uma classificação, mas antes em face de ordenações características. Surgem situações atípicas, ocorrências de sobreposição e ocorrências desfocadas, em relação aos núcleos duros dos diversos tipos. Nada disso retira utilidade à tipificação subsequente. Pelo contrário: devidamente usada, ela opera como um instrumento adequado para a realização do Direito.
II. O primeiro e, porventura, mais impressivo tipo de actos abusivos organiza-se em torno da locução venire contra factum proprium ou, mais simplesmente, venire. De origem canónica e com raízes controversas(69), o venire ficou a dever boa parte da sua carreira à musicalidade da sua fórmula latina (70).
Estruturalmente, o venire postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si, mas diferidas no tempo. Só que a primeira — o factum proprium — é contraditada pela segunda — o venire.
O óbice que justificaria a intervenção do sistema residiria na relação de oposição que, entre ambas, se possa verificar.
Há diversas sub-hipóteses. O venire é positivo quando se traduza numa acção contrária ao que o factum proprium deixaria esperar; será negativo caso redunde numa omissão contrária no mesmo factum. Sendo positivo, o venire pode implicar o exercício de direitos potestativos, de direitos comuns ou de liberdades