Distopias
“[...] a advertência é que, a menos que o curso da história se altere, os homens do mundo inteiro perderão suas qualidades mais humanas, tornar-se-ão autômatos sem alma, e nem sequer terão consciência disso”
Eric Fromm (1961), posfácio do livro “1984” de George Orwell
Introdução
Partindo-se da ideia que todo texto, sendo obra literária ou teórica, é sempre indissociável do contexto de sua produção, mas não como um simples resultado mecânico deste, o século XX introduziu um elemento de desconfiança no próprio discurso: primeiro, na época medieval, o homem projetou sua atenção para uma segunda vida, verdadeiramente mais feliz e plena, no reino dos céus, através de uma vida terrena centrada na obediência dos mandamentos divinos; depois, numa versão secularizada, projetou essa felicidade na própria Terra, através da fé no progresso e na razão, o que na literatura posteriormente ficou conhecido como “utopia”, termo inspirado na “Utopia”, terra descrita por Thomas Moorus em seu livro homônimo, e depois utilizado por Marx para classificar os “socialistas utópicos”, como Saint-Simon e Charles Fourier. Mas o século XX colocou obstáculos intransponíveis a esse último projeto: a fé na razão foi abalada logo em 1914 com a Primeira Guerra Mundial, Sigmund Freud descobre o “inconsciente” (que parece nos governar tanto quanto a razão), e na literatura (tambem no cinema) isso fez surgir um novo gênero que capta esse contexto de insegurança, as distopias, ou os discursos denunciativos dos rumos da sociedade capitalista. Trabalharei com os três livros tidos como clássicos na literatura distópica moderna: "Nós" do russo Yevgeny Zamyatin, de 1917, "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley, de 1932, e "1984" de George Orwell, de 1949). Todas elas partilham de algumas características comuns que serão abordas adiante, uma delas (a principal) é a ideia de “desumanização dos sujeitos”, por via estatal, em todas as esferas da vida. Ao longo do trabalho, tentarei