De como filosofar é aprender a morrer
ENSAIOS
Tradução de Sérgio Milliet
1ª edição — Novembro 1972
© - Copyright desta edição, 1972,
Abril S.A. Cultural e Industrial, São Paulo.
Tradução publicada sob licença da Editora Globo S.A., Porto Alegre.
Capítulo X X
Páginas de 48 a 55.
De como filosofar é aprender a morrer
Diz Cícero que filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a morte. Isso, talvez, porque o estudo e a contemplação tiram a alma para fora de nós, separam-na do corpo, o que, em suma, se assemelha à morte e constitui como que um aprendizado em vista dela. Ou então é porque, de toda sabedoria e inteligência, resulta finalmente que aprendemos a não ter receio de morrer. Em verdade, ou nossa razão falha ou seu objetivo único deve ser a nossa própria satisfação, e seu trabalho tender para que vivamos bem, e com alegria, como recomenda a
Sagrada Escritura [Eclesiastes 3,12: “Então compreendi que não existe para o homem nada melhor do que se alegrar e agir bem durante a vida”]. Todas as opiniões propõem que o prazer é a meta da vida, mas diferem no que concerne aos meios de atingir o alvo. E, se assim não fosse, as repeliríamos de imediato, pois quem daria ouvido a alguém que apontasse a pena e o sofrimento como os objetivos da existência? A esse respeito, as dissensões entre seitas filosóficas são puro palavrório: “deixemos de lado essas sutilezas” (Sêneca); em tais discussões entra mais obstinação e picuinha do que convém à ciência tão respeitável. Mas em qualquer papel que se proponha desempenhar põe o homem um pouco de si mesmo.
Digam o que disserem, na própria prática da virtude o fim visado é a volúpia. E agrada-me repetir essa palavra que pronunciam constrangidos. E, se significa prazer supremo e extremada satisfação, melhor se deva ela à virtude do que a qualquer outra causa, pois volúpia, robusta e viril, é a mais seriamente voluptuosa. E deveríamos chamá-la prazer, denominação mais feliz e mais natural, do que a de vigor que lhe