crônica

Crônica
Quem vê carro não vê flanelinha
Por Taíse Oliveira
Um dia comum, uma estação quente com sol escaldante, centro da cidade cheio com pessoas de classes e estilos diferentes circulando. Vendedores, carros ambulantes, postes, sinaleiras e uma criança que mora e trafega todos os dias por ali. Paisagem corriqueira, mas pouco percebida pelos que passam diariamente.
Uma criança de rua que já conhece muito as maldades da vida, apesar da pouca idade.
Certamente não se reconhece enquanto problema social, mas sabe bem que precisa dos trocados limpando carros para sobreviver. Um menino em um autorama urbano, que perdeu seu controle remoto e compete deslealmente com a vida sempre a margem desse circuito.
Esqueceram-lhe de dizer que esse autorama não é de brinquedo, é real. E este pequeno teve que trocar o brincar de carrinho por limpar carros dos outros.
Para ele, morar na rua é um fardo pesado a levar, a sua infância adormecida, todas as suas ausências de família, carinho, casa, comida na mesa... Afinal, o abandono dos pais e todo o seu passado sem explicação nunca cicatrizaram, assim como outras feridas que surgem todos os dias. Conflitos internos que o perturba insistentemente. Tantas perguntas, mas também tantos sonhos.
A sua brincadeira preferida e mais acessível, ele carrega pendurada no short, presa pela rabiola: a sua pipa. Ela, junto à infância ficavam guardadas desejando alcançar o céu. A pipa era o seu refúgio, ele adorava empina-la! O menino sempre desejou ser pipa, pois alçar voo para ele era sinônimo de liberdade que tanto desejava. Outro dia os dois arriscaram se encontrarem, pipa e menino brincando de serem livres, de voar e de ser criança. Certamente não devesse ser raro que esse e tantos outros pequenos de rua exercessem suas criancices, mas a estação mais bonita da vida, a infância, se aproveita dos intervalos de suas obrigações.
Vivem minutos de infância, não menos encantadores.
Ele pula o cais, desce até a margem gramada do