Crisântemo e a espada resenha
Por Marco Chiaretti
Em 1908, o navio Kasato Maru desembarcou em Santos o primeiro grupo de imigrantes japoneses a chegar ao Brasil. Quase 100 anos depois, os nipo-brasileiros formam um contingente de mais de um milhão de pessoas, o maior número de descendentes de japoneses fora do Japão. Brasil e Japão têm uma relação mais do que especial, mas a historiografia sobre a imigração ainda é pequena (assim como é quase nula a bibliografia sobre o Japão).
Estes "Corações Sujos", de Fernando Morais, conta um pedaço dessa história. Pedaço pouco relevante, talvez, no mapa geral das coisas do mundo, mas muito, muito reveladora de uma cultura e um período da história. Como em outros livros de Morais, neste também se define um retrato do Brasil em sua época: a Segunda Guerra e seu fim, o interior de São Paulo e a política local, Getúlio e Adhemar.
No dia 1º de janeiro de 1946, o Hiroíto anunciou ao mundo, via rádio, o que o mundo já sabia: ele não era um deus vivo. O mundo já sabia, mas seus leais súditos, nem tanto. Da família imperial japonesa diz-se que descende de um mitológico fundador, nascido há 2600 anos, Jimmu, por sua vez seria descendente -longínquo, é verdade - de nada menos do que Amaterasu, a deusa-mãe do Japão, o Sol, criadora de tudo.
A ideologia nacional desde sempre preservou esta ligação especial entre o Céu e seu Filho, comum a várias culturas do Extremo oriente. No caso do Japão, acontecimentos políticos do século passado conspiraram para reforçar este mito.
No século 19, o país saiu de um isolamento secular para tornar-se, à sua maneira, nação moderna. Um dos pilares desta mudança, grosso modo conhecida como Restauração Meiji, era a figura do imperador. O discurso nacional fundava-se na unidade do imperador, e na relação dele com seu braço armado, o Exército e a Armada.
As crianças foram ensinadas a imaginar o mundo orientado pelo Japão. Nunca, diziam os textos escolares, o Japão fora vencido (o