corumbiara
AUDIOVISUAL
THIAGO DE ABREU E LIMA FLORENCIO∗
Este trabalho procura compreender a construção das diferentes memórias vivenciadas através do encontro entre o dispositivo da câmera cinematográfica e a corporeidade indígena no filme Corumbiara (Vincent Carelli, 2009). O documentário mostra a trajetória de uma equipe de indigenistas que vem denunciando, desde meados dos anos 80, o massacre de índios isolados, realizado por fazendeiros e madeireiros da região de Corumbiara, Rondônia. Ao ter que provar através do registro fílmico a existência dos índios para que o Estado os reconheça juridicamente, o diretor trava com esses uma relação ambígua, que se reflete nos dilemas de ter que persegui-los para capturar sua imagem. Procura-se atentar para o jogo que se estabelece entre a câmera, fundadora de uma memória imagética para os arquivos da burocracia jurídica do Estado, e a corporeidade indígena, tendo em vista, por um lado, o trabalho de inscrição corporal dos índios diante da presença da câmera e, por outro lado, os dilemas da representação do corpo indígena para o cinegrafista.
1. Aberturas: a câmera e o corpo indígena na experiência do filme Corumbiara
Vincent Carelli, diretor do filme Corumbiara (2009), é indigenista e coordenador do projeto Vídeo nas Aldeias. Sua primeira experiência de vídeo com os índios ocorreu no ano de 1986, junto aos Nambiquaras. Seguindo os princípios de uma “antropologia compartilhada” (CLIFFORD, 205), o cinegrafista filmou os índios com o intuito de mostrarlhes as imagens logo em seguida. Segundo Vincent, como narra logo no início do filme, esse jogo de espelhos levou os Nambiquaras ao “delírio”: sob a liderança de seu chefe, realizaram uma cerimônia de perfuração do lábio de trinta jovens, cerimônia essa que não ocorria há vinte anos.
O ritual de perfuração é um exemplo evidente da posição central que ocupa o corpo na produção de memória indígena. Como lembra