Conto
Depois dos malditos pássaros de metal, a vida nunca mais foi tão simples. Ela jurou que embarcara numa viagem e eu, besta, não imaginei que era migração, que transformaria sua vida, e a minha, por consequência, de maneira tão brutal. Aqui estou, sentado, esperando o meu voo de volta para o buraco, para o vazio que me espera, quente e acolhedor. O vazio dela.
Foi num instante. Foi repentino, abrupto como um aneurisma. Voltávamos pra casa. Ela e eu, cansados da viagem, das festas de despedida, de empacotar malas. Eu levava, no carrinho, suas malas e a mochila que trouxera para passar o mês. Ela trazia tudo o que tinha de importante, o resto seguiria no caminhão de mudança, no dia seguinte.
Enquanto eu olhava um monitor, tentava descobrir o portão de embarque, algo aconteceu que eu não vi. O universo mudou, desviou pra outro lado numa finta que eu, zagueiro russo, até hoje não sei onde está o ponta-de-lança.
Virei-me e ela, até então completamente normal, chorava. Pediu desculpas, disse que sentia muito, mas não dava. Não queria se despedir, não queria mudar de novo, não voltaria comigo. Pediu desculpas. Chorou, quase implorando perdão. Pegou a mochila, me entregou e saiu empurrando o carrinho.
Não perdôo aquele beijo de despedida. Impediu que eu me sentisse a pessoa mais abandonada do mundo.
Fiquei eu, na sala de espera, com uma coca-cola e toda a solidão do mundo. Não há fidelidade como a dos refrigerantes.