Cinema e violência Uma análise de Laranja mecânica, Dogville e Cidade de Deus1 Verlaine Freitas O modo como a violência é vivida internamente, assimilada a partir de padrões sociais, recusada a partir de preceitos éticos etc., varia infinitamente nas sociedades, como também os veículos de que se servem os processos de formação individual para, tanto difundir, quanto repelir essa mesma violência. É inegável que a cultura de massa, em várias de suas modalidades, como novelas, videogames, jornais e revistas, desempenham um papel decisivo nesse cenário, pois diversos produtos não apenas relatam de forma às vezes apelativa os casos de agressividade radical, quanto também posicionam crianças e adolescentes em um contexto lúdico em que os atos violentos são o ingrediente principal de longas horas de diversão na frente do computador. Por outro lado, nem todas as obras de indústria cultural que abordam essa temática o fazem de forma apelativa ou puramente comercial, pois inserem-na em um contexto de articulação imagético-imaginária que pode levar o espectador a uma reflexão de seu significado como um ingrediente na percepção de si e da realidade social de que participa. Desse modo, a cultura de massa deve ser /222/ analisada criticamente, tanto para demonstrar o quanto ela se serve da violência e a dissemina, quanto também pode servir de objeto de reflexão enriquecedora. Theodor Adorno, um eminente teórico da Escola de Frankfurt, dedicou-se a analisar detidamente a formação individual a partir da cultura de massa, como também a dimensão violenta da relação entre sociedade e indivíduo. Consideramos suas reflexões deveras significativas, principalmente por esclarecerem a dinâmica sócio-econômica de que se nutre toda a indústria cultural. De outro ponto de vista, entretanto, percebemos sérias lacunas e equívocos na ponderação acerca do embate entre forças, princípios e dinâmicas sociais e subjetivas, e afirmamos que é precisamente no vínculo entre desejo e violência que tais