Capítulo 2 do Livro A corrosão do caráter
-------------------
ROTINA
Há bons motivos para Rico se esforçar por compreender a época em que vive. A sociedade moderna está em revolta contra o tempo rotineiro, burocrático, que pode paralisar o trabalho, o governo e outras instituições. O problema de Rico é o que fazer de si mesmo quando essa revolta contra a rotina for vitoriosa. Na aurora do capitalismo industrial, porém, não era tão evidente assim que a rotina fosse um mal. Em meados do século dezoito, parecia que o trabalho repetitivo podia levar a duas diferentes direções, uma positiva e frutífera, outra destrutiva. O lado positivo da rotina foi descrito na grande Enciclopédia de Diderot, publicada de 1751 a 1772; o lado negativo do tempo de trabalho regular foi retratado da forma mais dramática em A riqueza das nações, de Adam Smith, publicado em 1776. Diderot acreditava que a rotina no trabalho podia ser igual a qualquer outra forma de aprendizado por repetição, um professor necessário; Smith, que a rotina embotava o espírito. Hoje, a sociedade fica com Smith. Diderot sugere o que poderíamos perder tomando o lado de seu oponente. Os artigos que mais chamam a atenção, na Enciclopédia, do educado público de Diderot são os que tratam da vida diária: textos de vários autores sobre a indústria, os vários ofícios e a agricultura. Vinham acompanhados de uma série de gravuras que ilustram como fazer uma cadeira ou cinzelar uma pedra. O desenho do século dezoito caracteriza-se pela elegância do traço, mas a maioria dos artistas usava essa elegância para descrever cenas de lazer aristocrático ou paisagens; os ilustradores da Enciclopédia puseram essa elegância a serviço de martelos, prensas gráficas e empilhadeiras. O objetivo das imagens e textos era justificar a inerente dignidade do trabalho. A dignidade particular da rotina aparece no Volume 5 da Enciclopédia, numa série de lâminas que mostram uma fábrica de papel, UAnglée, localizada a uns noventa quilômetros de Paris, perto da cidade de