Aululária
Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:
Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:
Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.
Oh, não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sobra, em nada.
(Gregório de Matos)
II
Ai, Custódia! sonhei, não sei se o diga:
Sonhei, que entre meus braços vos gozava.
Oh se verdade fosse, o que sonhava!
Mas não permite Amor, que eu tal consiga.
O que anda no cuidado, e dá fadiga,
Entre sonhos Amor representava
No teatro da noite, que apartava
A alma dos sentidos, doce liga.
Acordei eu, feito sentinela
De toda a cama, pus-me uma peçonha,
Vendo-me só sem vós, e em tal mazela.
E disse, porque o caso me envergonha,
Trabalho tem, quem ama, e se desvela,
E muito mais quem dorme, e em falso sonha.
1. O gosto do poeta barroco em misturar conceitos morais e erotismo, inibindo ou escancarando o desejo amoroso.
2. A distinção entre ardor sensual e ambiguidade em relação à mulher.
3. A força da linguagem de Gregório de Matos, criando símiles e contrastes à forças de jogos sonos, de rimas e um léxico incisivo, rico em imagens, que misturam licenciosidade e danação.
O poema se constrói por meio da oposição entre dois campos semânticos: mocidade e maturidade. Os substantivos que se relacionam à mocidade são: aurora, sol, dia; os que são relacionados à maturidade são: terra, pó, sombra. Observemos ainda o 2 verso da 2 quarteto na qual Gregório de Matos coloca Adônis, o deus grego da agricultura e vegetação para expressar e realçar a juventude de sua esposa. Com isso o autor reforça que enquanto possui juventude a mulher pode despertar paixões até nos deuses, mas quando chega a madura idade tudo se perde, tudo