Aspecto evolução da financas publicas
Análise Social, vol. XXIII (97), 1987-3.°, 505-529
Aspectos da evolução das finanças públicas portuguesas nas primeiras décadas do século xix (1800-27)
1. INTRODUÇÃO** Encarando a Monarquia constitucional como o berço da República, contra a qual surgiu, o Estado Novo sempre dificultou a investigação sobre o século xix em Portugal. Tratava-se, no fundamental, de varrer da memória dos vivos a existência de um regime democrático no nosso país. Nestas condições, o estudo da história daquele período não podia deixar de ficar imbuído de uma certa conotação política. Escrever sobre o século passado era uma forma de contestar o presente. Por isso, a atenção dos historiadores centrou-se, preferentemente, sobre a Monarquia constitucional. Por esta via, introduziu-se na nossa historiografia a noção da revolução liberal enquanto ruptura. Não como uma ruptura ao nível económico ou social, mas antes ao nível político. Ao despotismo opõe-se o regime constitucional, à monarquia do súbdito a do cidadão, ao reino das trevas o da luz. A concentração dos estudos no regime liberal, aliada à dicotomia referida, não fez senão dificultar a compreensão deste. As condições em que hoje vivemos são outras. As lutas entre D. Pedro e D. Miguel já não nos pertencem. O século x i x pode, finalmente, constituir-se em objecto de estudo mais distante. Começam assim a aparecer alguns trabalhos sobre os finais do Antigo Regime ou sobre as primeiras décadas do século, independentemente das mudanças de sistema político, que nos permitem entrever um pouco melhor, não só a evolução da sociedade e da economia da primeira metade de Oitocentos, mas também as próprias modificações de âmbito político1.
* Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, UNL. ** Julgo não exagerar se disser que a maior parte dos trabalhos de investigação sobre o século passado poderiam começar por uma extensa lamentação sobre o estado dos nossos arquivos. Seja-me então permitido iniciar este artigo com