Apologia Po Tica
Clamei por deuses, santos e renegados,
Fui trovador de botequins,
Fui homem pobre e poeta venerado...
Amei donzelas e damas de rua,
Fui de amante à esposo probo e sábio,
Contemplei o paraíso e casei-me com a Lua,
E desfaleci no infesto engodo de outros lábios...
Chorei por amor, chorei pela pátria,
Fui favelado, fui nativo puro queimado,
Hostilizei o regime, sampei ao longe falsas idolatrias,
Morri em cela e vivi como um louco acabrunhado...
Fui fâmulo, um dos amores de Doralice,
Sujeitei-me aos teus maus tratos por amor,
Fiquei mouco e rouco por minha própria sandice,
Fui mocidade, fui anoso e hoje um ignoto escritor...
Não tive clemencia, nem lhaneza,
Fui o truão, fui a donzela, fui o rei,
Nasci no berço da nobreza e morri na cruel pobreza
E em meu leito de oiro o meu próprio pecado cortejei...
Fui o olheiro de teus passos neste cantinho escuro,
Fui uma conselheira, guia de uma Bela meretriz,
Dona de uma beldade de mente e olhos puros,
Onde a própria candura a estirou em assoalhos de giz...
Fui a jovem donzela ludibriada,
Vitima da saudade e da insuportável fé no amor,
Fui eu o vento que levou o esposo infiel e a libertina criada,
Amantes do pecado e servos da dor...
Senti a dor da perda de teus filhos únicos, o apagar da lareira,
Fui o suspiro pesaroso no peito de todas as mães,
Fui eu a morte, muda e sorrateira,
Fui eu, todos os espíritos guardiães...
Fui todas as mulheres apaixonadas pendendo com flores na janela,
Fui eu, o autor de todos os beijos, lagrimas e amores,
Fui eu a beleza da Bela, da Dama e da Donzela,
Fui eu e somente eu, o mais versado dos autores...
Fui o homem e a mulher de todas as épocas e idades,
O delírio de cada paixão, a franqueza e dor em cada perdão,
Fui o pranto alegre e dolente, as juras de amor e lealdade,
Fui eu a guerra, a arma e a tampa amadeirada de cada caixão...
Fui o andarilho e a trilha por onde caminhava,
Fui o arder sem cura em cada corte,