Antologia Poetica
Inda fechadas estão
As janelas. Já é dia –
Meio-dia. A escuridão
Tem sombras de claridade
De janela em cada vão.
O passo pára ao entrar
Nessa estranha soledade,
Tão perto e longe do dia.
De silêncio, não de frio,
A vaga sala está fria.
Há um vazio no ar
Cuja tristeza apavora;
E sem ver, ouvir, lembrar,
O pronto coração sente
Que no silêncio alguém chora
Lágrimas vãs a rolar
Dormente, caladamente,
Tristemente e devagar.
Abdicação
Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei
Que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mãos viris e calmas entreguei;
E meu ceptro e coroa – eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços.
Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas, de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
Báquica Medieval
O nosso patrão é pai.
Faz-nos o bem.
Bebamos à saúde dele,
E à nossa também!
Não falte trigo p´ra semente,
Remédio ao doente,
Nem vinho à gente!
O nosso rei é padrinho.
Que Deus o ajude!
Bebamos à saúde dele,
E à nossa saúde!
Não falte caridade a quem deve,
Direito a quem recebe,
Nem vinho a quem bebe!
E vá à saúde da terra,
Que é bem preciso!
Livre-nos Deus, a nós e a ela,
De seca e granizo!
Que há três coisas que Deus proibiu –
A fome, o frio,
E um copo vazio!
Glosa
Mote: Não posso viver assim!
Mina-me o peito a saudade.
Haverá maior tormento,
Ou um veneno mais lento
Que turva a felicidade,