América Latina e as diversidades culturais
Gilberto Gil
Introdução
O concerto da globalização deslocou a cultura para um lugar singular e estratégico do debate global – provavelmente porque a geopolítica do mundo contemporâneo vem mudando ela própria seu terreno tradicional. Sobre a cartografia dos mapas nacionais, hoje vemos com mais lucidez emergir uma paisagem global composta de vasta diversidade cultural, de milhares, talvez milhões, de sistemas culturais diversos, nem todos coincidentes com as paisagens nacionais. A região que une o norte da Argentina, o sul do Brasil, parte do Uruguai e do Paraguai tem a força de um sistema simbólico que vai além de fronteiras nacionais.
Cito esse exemplo não por acaso, na medida em que o Mercosul e a relação com os países da América do Sul têm sido uma prioridade no esforço geral do Governo brasileiro para integrar a região, não apenas economicamente, mas culturalmente. Mas essa mudança não é apenas regional. A paisagem geral do planeta é redesenhada quando a cultura se desloca para o centro de uma discussão sobre o tipo de desenvolvimento que desejamos para o planeta. Quando verificamos os limites do modelo econômico que pautou o século XX, que provocou a migração contemporânea da produção para formas leves e imateriais de geração de valor. Também é redesenhada quando constatamos a expansão da democracia no mundo e a afirmação da educação como prioridade global. Quando se evidenciam multidões de sujeitos, antes excluídos, que passaram a dizer, em alto e bom som: “queremos acesso à cultura”. Não se trata apenas de um maior acesso ao consumo, mas de um maior acesso às formas de expressão, às estruturas de produção e aos meios de circulação social.
Hoje, a agenda da cultura encontra uma interface com o debate econômico internacional. Essa interface se intensifica quando o debate econômico migra para a discussão sobre formas de contrato, propriedade intelectual e direito autoral, identificando a reposição de velhas assimetrias