O travelling de kapò
por Serge Daney
Entre os filmes que eu nunca vi, não há somente Outubro, Trágico Amanhecer ou Bambi . Há também o obscuro Kapò. Filme sobre os campos de concentração, rodado em 1960 pelo cineasta italiano de esquerda Gillo Pontecorvo, Kapò não firmou seu nome na história do cinema. Serei eu o único, nunca o tendo visto, a jamais tê-lo esquecido? Porque eu não vi Kapò mas, ao mesmo tempo, vi. Eu vi porque alguém – com palavras – me mostrou. Só conheço esse filme, cujo título, como uma senha, acompanhou a minha vida de cinema através de um curto texto: a crítica que dele fez Jacques Rivette em junho de 1961 nos Cahiers du Cinéma. Era o número 120, e o artigo se chamava “De l’abjection” . Rivette tinha trinta e três anos e eu tinha dezessete. Acho que nem tinha ainda pronunicado a palavra “abjeção” em minha vida.
Em seu artigo, Rivette não contava o filme. Ele se contentava, em uma frase, em descrever um plano. A frase, que ficou na minha memória, dizia assim: “Vejamos agora, em Kapò, o plano em que Riva se suicida, se jogando sobre o arame farpado eletrificado: o homem que decide, nesse momento, fazer um travelling para a frente para reenquadrar o cadáver em contra-plongée, tomando cuidado para inscrever exatamente a mão levantada num ângulo do enquadramento final, esse homem só tem direito ao mais profundo desprezo.” Dessa forma um simples movimento de câmera poderia ser um movimento a não se fazer. Aquele que era necessário – à evidência – ser abjeto para fazer. Bastava ler essas linhas para saber que seu autor tinha toda a razão.
Abrupto e luminoso, o texto de Rivette me permitiu colocar palavras sobre esse olhar da abjeção. Minha revolta tinha encontrado palavras para se manifestar. Mas tinha mais que isso. Tinha que a revolta estava acompanhada de um sentimento menos claro e sem dúvida menos puro: o reconhecimento consolador de ter adquirido a minha primeira certeza de futuro crítico. Ao passar dos anos, com efeito, o “travelling de