O trabalho e o ócio
Entre as muitas características que nos distinguem dos outros animais, como a linguagem duplamente articulada, a autoconsciência, o pensamento abstracto, a orientação para o mundo como um todo e a capacidade de distanciamento da imediatidade no espaço e no tempo, a elaboração de teorias científicas, a avaliação segundo juízos morais, está também o trabalho. O homem também se define como homo faber. Karl Marx viu bem: "O homem diferencia-se dos animais a partir do momento em que começa a produzir os seus meios de vida."
Enquanto o animal colhe o que a natureza lhe oferece, o homem transforma-a. Trabalha para satisfazer as suas necessidades, estabelecendo uma relação de intercâmbio com a natureza: obtém dela o que lhe falta e, por outro lado, ao transformá-la, transforma-se a si mesmo. Mundanizando-se, o homem humaniza o mundo e humaniza-se a si próprio, autorrealiza-se. Ao mesmo tempo que elabora os produtos de que precisa, aperfeiçoa a natureza e forma-se a si mesmo teórica e praticamente.
Com a complexificação do mundo do trabalho, assiste-se à sua divisão e a uma teia, também ela complexa, de relações laborais e sociais, configuradoras da identidade própria. Percebe-se a importância decisiva desta configuração, quando se pensa em quem já não encontra trabalho e cai no desemprego: não só não tem meios de subsistência como é marginalizado, sentindo-se inútil por não contribuir para a realização do bem comum.
No trabalho, é preciso considerar um duplo aspecto. Por um lado, forma a pessoa e contribui para a realização da sociedade - deve-se pensar num sentido abrangente do trabalho: trabalha o agricultor, o construtor, o engenheiro, o médico, o professor, etc. -, mas, por outro, o trabalho apresenta-se como fardo e castigo, como diz a próprio étimo: tripalium, instrumento de tortura.
Neste contexto, aparece o ócio, que provém do latim otium, vinculado a scholê, no grego - é daqui que provém