O mita da hospitalidade
(do poeta romano Ovídio - As metamorfoses, livro VIII)
Certa vez Júpiter, pai-criador do céu e da terra, e seu filho Hermes, princípio de toda comunicação — donde vem a palavra hermenêutica —, resolveram disfarçar-se de pobres. Decidiram, sob esta forma, vir ao reino dos mortais para ver como ia a criação que haviam posto em marcha.
Júpiter depôs toda sua glória e Hermes desfez-se das duas asas, seu símbolo maior e de todos os demais adornos. Pareciam realmente pobres andarilhos das estradas.
Passaram por muitas terras e encontraram muita gente. Pediam ajuda a uns e a outros. Ninguém lhes estendia a mão. Recebiam maus-tratos e ouviram palavras ofensivas. Várias vezes foram afastados das portas com violência. Muitos sequer os olhavam. Era o que mais lhes doía: não serem sequer olhados, como se fossem cães lazarentos de casas abandonadas. Por isso, passaram fome e toda sorte de privações.
Depois de muito peregrinar e sentirem-se alijados por todos, o que mais desejavam era água fresca para beber, um prato de comida quente, aliviar os pés com água morna e uma cama para repousar os corpos. Sonhavam com a hospitalidade mínima!
Até que um dia chegaram à Frígia, província das mais longínquas e pobres do Império Romano, lugar para onde eram desterrados rebeldes e criminosos. Aí vivia um casal muito pobre. Ele se chamava Filêmon, em grego, “amigo e amável”, e ela Báucis, “delicada e terna”.
Sobre uma pequena elevação construíram sua choupana, rústica, porém muito limpa. Foi lá que, ainda jovens, uniram seus corações. O intenso amor tornava leve a pena. Viviam em grande paz e harmonia, pois faziam tudo juntos, um auxiliando sempre o outro. Quem mandava era também quem obedecia. Estavam já velhinhos, cansados de trabalhos e de dias.
Eis que chegaram à choupana Júpiter e Hermes, disfarçados de pobres mortais. Bateram à porta. Qual não foi a surpresa deles quando o bom velhinho Filêmon, sorridente, apareceu à porta e sem muito