O menino de Casa Forte
Marcelo Coutelo
Quando Carlos Drumond nasceu, segundo ele mesmo, um anjo torto teria dito:”vai Carlos, vai ser gauche na vida!”. Não entendo muito disso de anjos, mas acho que com cada um de nós acontece o mesmo: o anjo que nos cabe determina direitinho o que vamos ser pela vida afora.
Quando Toninho nasceu foi igual. Apresentou-se um anjo barroco, daqueles de enfeitar púlpitos bojudos entre volutas e convolutas e arabescos vários, cabelos em cachos, bunda gordinha, bochechas salientemente rosadas e bilola encapadinha. A cena era mais ou menos clássica. Sobre a cama, Lourdinha, os cabelos negros emoldurando um rosto aristocrático, ao mesmo tempo feliz e cansado, repousando sobre o travesseiro, pensava lá com ela: “Deus do céu se o que tiver por dentro dessa cabeça der tanto trabalho quanto o que tem por fora, estamos em maus lençóis”
Ao lado da cama, um misto de orgulho e preocupação, João Monteiro, circunspecto como só João Monteiro sabia ser, olhava aquele menino e ensimesmava: “Cáspite, que cabeça, que cabeça! A experiência diz que cabeças assim via de regra prejudicam. O casco é bom. vamos ver se a matéria justifica a devastação, vamos ver a que sai a matéria”.
Na cama, malandra e gostosamente recostado nos braços de Lourdinha, aquele menino rechonchudo, olhos proeminentes, cabeça um tanto, digamos, avantajada, prenunciando inteligência rara ou teimosia da braba, expunha-se à visitação pública. E chorava. Sim, Toninho já mostrava a aguda percepção de uma verdade absoluta que ia acompanhá-lo por toda a vida: quem não chora não mama. Um predestinado.
O anjo gordinho fez o que viera fazer e vaticinou: “Vai Toninho, vai seduzir e conciliar por esse mundo de meu Deus”. Dizem que um cheiro de miosótis encheu o aposento. E o anjo se foi. Tinha mais uns tantos para encaminhar na vida.
Exagerando um pouco, mas só um pouco, é preciso dizer que Toninho nasceu no ano da graça de 1960 e que seu nascimento, se não contribuiu