O Largo de Manuel da Fonseca
Manuel da Fonseca
Antigamente, o Largo era o centro do mundo. Hoje é apenas um cruzamento deestradas, com casas em volta e uma rua que sobe para a Vila. O vento dá nas faias e a ramariafarfalha num suave gemido; o pó redemoinha e cai sobre o chão deserto. Ninguém. A vidamudou-se para o outro lado da Vila.O comboio matou o Largo. Sob o rodado de ferro morreram homens que eu supunhaeternos. O senhor Palma Branco, alto, seco, rodeado de respeito; os três irmãos Montenegro,espadaúdos e graves; Badina, fraco e repontão; o Estroina, bêbado, trocando as pernas, denavalha em punho; o Má Raça, rangendo os dentes, sempre enraivecido contra tudo e todos.O lavrador de Alba Grande, plantado ao meio do Largo com a sua serena valentia; mestreSobral, Ui Cotovio, rufião, de caracol sobre a testa. O Acácio, o bebedola do Acácio, tirandoretratos, curvado debaixo do grande pano preto. E, lá ao cimo da rua, esgalgado, um homemque eu nunca soube quem era, e que aparecia subitamente à esquina olhando cheio deespanto para o Largo.Nesse tempo, as faias agitavam-se, viçosas. Acenavam rudemente os braços e eramparte de todos os grandes acontecimentos. À sua sombra, os palhaços faziam habilidades edançavam ursos selvagens. À sua sombra batiam-se os valentes: junto de um tronco de umafaia caiu morto António Valmorim, temido pelos homens e amado pelas mulheres.Era o centro da Vila. Os viajantes apeavam-se da diligência e contavam novidades. Eraatravés do Largo que o povo comunicava com o mundo. Também, à falta de notícias, era aíque se inventava alguma coisa que se parecesse com a verdade. O tempo passava, e essaqualquer coisa inventada vinha a ser a verdade. Nada a destruía: tinha vindo do Largo. Assim, o Largo era o centro do mundo.Quem lá dominasse, dominava toda a Vila. Os mais inteligentes e sabedores desciamao Largo e daí instruíam a Vila. Os valentes erguiam-se no meio do Largo e desafiavam a Vila, dobravam-na à sua vontade. Os bêbados riam-se da Vila, cambaleando,