O guarani - Texto crítico
Publicado originalmente em 1857, O Guarani narra a história da devoção de Peri pela filha de D. Antonio de Mariz, Ceci. Rei e senhor da floresta e do seu povo, Peri se põe a serviço da moça branca, devoção que toma o caráter de missão para o índio, o qual deverá superar várias provas para cumprí-la. Peri enfrenta e supera provas clássicas dos heróis épicos, como o enfrentamento da fera e a conquista das armas, até a última e mais difícil de todas: a renúncia. Esta renúncia, a prova que confirma o herói, é já anunciada por várias outras renúncias no decorrer da obra, e se relaciona à dicotomia honra—glória. Este esquema Missão—Provas—Renúncia, próprio do herói épico segundo Verónica Ruscio, é trabalhado com maestria por José de Alencar, culminando em uma obra que, sem dúvida, é a maior epopéia da Literatura Brasileira.
Introdução
Os heróis sempre existiram e sempre existirão. Eles se relacionam intimamente com as comunidades que os criam, sendo normalmente expressão das qualidades e virtudes que um povo almeja para si. Em alguns casos este é um personagem histórico que, através de uma narrativa de seus feitos, torna-se um mito fundador, como, por exemplo, o Cid espanhol. Outras vezes esse mito fundacional é criado pela vívida imaginação dos escritores que, em resposta a solicitações históricas, criam todo um sistema simbólico, oferecendo à sociedade “um temário nacionalista e sentimental, adequado às suas necessidades de auto-afirmação” (CANDIDO, 2006, p. 92), como é o caso da literatura indianista brasileira em geral e particularmente, de modo intenso, da obra de José de Alencar.
Os mitos fundacionais têm sua narrativa datada em um passado distante, que serve de modelo para a construção da identidade nacional (HALL, 2005, p. 54). Construindo uma idéia de nação a partir de matrizes portuguesas e indígenas, a narrativa de O Guarani, assim como a de Iracema, não pode se passar aquém de 1500. Alencar anuncia logo no início do