O filme preto sem branco
Lembro-me de quando meu pai sentava ao meu lado na cama, me envolvia em seus braços e narrava longas histórias de princesas com seus príncipes que sempre apareciam para salvá-las. Cresci lendo romances de Jane Austen e assistindo filmes, repletos de emoção e cor, que despertavam em mim a ilusão de que minha vida seria igual a eles. Porém, hoje, neste lugar escuro, só desejo os braços calorosos de meu pai. Perguntei-me tantas vezes: onde está o príncipe e seu cavalo para me salvar? Cadê o mocinho bonito que aparece na última cena? Onde está o sucesso, o suspense, os sorrisos? Onde está o castelo de pedra ou a casa com um enorme jardim? Cadê os vizinhos, os amigos, meu marido, meus filhos? Onde está meu “felizes para sempre”? Era tão nova e ingênua, que acreditava que, fugindo dos braços de meu pai, o mundo me acolheria. Abandonei minha casa, minha família, meus amigos, minha vida, porém, tinha a certeza de que viveria aventuras, exploraria lugares, conheceria pessoas, viveria o mundo. Sonhei, e não somente sonhei, corri o risco de viver esses sonhos. Entretanto, sonhei alto demais e a realidade, como uma pedra amarrada em meus pés, impediu que eu voasse; e o orgulho, que eu voltasse. Hoje, ao invés de fazer um café da manhã gostoso e levar meus filhos para a escola, acordo e penso em como irei conseguir algo para comer. Durmo pensando nisso também. Vivo a realidade pouco narrada por livros e mostrada em filmes. Vivo o mundo da miséria. Mesmo que sonhe, não aparecerá um homem lindo igual a Richard Gere para, como no filme Uma Linda Mulher, me levar para longe desse lugar. Posso apoiar minha cabeça e, de olhos fechados, tentar novamente voar, mas meus pés, agora, estão firmes ao chão. Sei que a vida, os sonhos, os filmes, os livros e meu pai traíram-me, mostrando uma realidade que só existe no papel ou nas enormes telas. Já o meu mundo, este é escuro e fica no escuro, como um filme preto sem branco, exilado de qualquer