O erudito e o popular

922 palavras 4 páginas
Quando se fala em folclore, é comum imaginar costumes e celebrações diretamente ligados às populações mais pobres, sem nenhuma relação com a esfera erudita. No livro Dança Popular: Espetáculo e Devoção, a socióloga Marianna Monteiro, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Associação Cultural Cachuera!, coloca esse paradigma em questão. A obra, que teve origem em sua tese de doutoramento na Universidade de São Paulo, expõe os intercâmbios entre as culturas popular e de elite no Brasil desde os tempos do Antigo Regime português.

Monteiro analisou especificamente o congo e o bumba meu boi, dois tipos de dança ainda muito presentes no país
Monteiro analisou especificamente o congo e o bumba meu boi, dois tipos de dança ainda muito presentes no país, tratados por diferentes nomes, de acordo com a região. Os congos são festas que, a princípio, eram protagonizadas por escravos desde o século 16 em Portugal. Durante as danças, um rei negro é eleito e reverenciado, prática que remete ao reconhecimento prestado aos antigos soberanos do Congo, aliados dos portugueses na África. Já o bumba meu boi, relacionado em alguns aspectos às cavalhadas da época imperial, consiste na encenação da morte e ressurreição de um boi, com inúmeras variações no enredo.

Foram quatro anos viajando pelo país para acompanhar essas manifestações, além da pesquisa em documentos históricos que descrevem eventos culturais. “Pude observar que, até o século 19, era muito mais difícil fazer distinção entre popular e erudito”, afirma a socióloga. “Sempre existiu a separação entre povo e elite, mas, culturalmente, os limites eram bem menos óbvios”. Um dos fatores que contribuíam para isso era a forte influência do Estado português na formação das danças das classes mais pobres.

Segundo Monteiro, as festas populares eram parte importante de um projeto político-teológico já que, durante o Antigo Regime, Estado e Igreja eram praticamente inseparáveis. Portugal, por meio de proibições ou

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