o defunto
NARRADOR: No ano de 1474 em um belo dia um cavaleiro chamado D. Rui de Cardenas foi viver para Segóvia e todos os dias ia à igreja de Nossa Senhora do Pilar e levava flores à santa de quem era devoto, e acabou por se apaixonar por uma Senhora que lá ia aos domingos D. Leonor, que era esposa do senhor de Lara, um fidalgo muito rico e de comportamento sombrio. O mesmo era muito ciumento e só a deixava sair para ir à missa e acompanhada por uma aia carrancuda, de olhos mais abertos e duros que os de uma coruja e por dois lacaios que a ladeavam e guardavam como torres.
NARRADOR: D. Leonor no encerro do gradeado solar de granito negro, não tendo para se recrear e respirar, mesmo nas calmas do Estio, mais que um fundo de jardim verde-negro, cercado de tão altos muros
NARRADOR: D. Leonor, que saía de entre os pilares da escura arcada, branca, doce e pensativa, como uma lua de entre as nuvens. Os cravos quase lhe caíram naquele gostoso alvoroço em que o peito lhe arfou mais que um mar, e a alma toda lhe fugiu em tumulto através do olhar com que a devorava. E ela ergueu também os olhos para D. Rui, mas uns olhos repousados, uns olhos serenos, em que não luzia curiosidade, nem mesmo consciência de se estarem trocando com outros, tão acesos e enegrecidos pelo desejo. O moço cavaleiro não entrou na igreja, com piedoso receio de não prestar à sua Madrinha divina a atenção, que decerto lhe roubaria toda aquela que era só humana, mas dona já do seu coração, depois disso D. Rui Numa esperança, a que antevia bem o desengano, começou a rondar os muros altos do jardim - ou embuçado numa capa,
NARRADOR: O mundo todo só lhe parecia conter rigidez e frieza.
NARRADOR: Outras claras manhãs de domingo encontrou D. Leonor: e sempre os olhos dela permaneciam descuidados e como esquecidos, ou quando se cruzavam com os seus era tão singelamente, tão limpos de toda a emoção, que D. Rui os preferiria ofendidos e faiscando de ira,
NARRADOR: Então D. Rui pensou: