O cortico
I
Dos treze aos vinte e cinco anos, João Romão, imigrante português, trabalha para um conterrâneo em uma venda no Botafogo. Quando o patrão retorna a Portugal, deixa-lhe a venda como parte do pagamento de seus salários. Põe-se ele, então, a trabalhar como besta de carga, como possuído de uma febre para enriquecer.
O vendeiro conhece Bertoleza, escrava de ganho, trabalhadora incansável como ele, quitandeira de grande freguesia que pagava aluguel de sua liberdade enquanto juntava o necessário para a carta de alforria.
Passam a viver juntos e pouco tempo depois de amigados ele aparece em casa com a carta de alforria, dizendo que havia inteirado o dinheiro para comprar a liberdade da companheira, com o que ela passa lhe ter verdadeira devoção, tornando-se em seguida sua amante, criada e caixeira.
Na verdade, João Romão havia forjado a carta de alforria e se apossado do dinheiro da crioula, com o que iniciou seu projeto de expansão dos negócios. Comprou algumas braças de terra ao fundo da taverna e construiu, à custa de roubos de materiais e trabalho próprio, três casinhas de porta e janela, ponto de partida para o cortiço São
Romão. Aos poucos conquistava os terrenos em volta de seu comércio inicial, enquanto roubava o quanto podia na venda e economizava ao máximo nos seus gastos pessoais, até conseguir comprar um bom pedaço da bela pedreira que ficava aos fundos dos seus terrenos.
Por esta época, vendeu-se um belo sobrado que ficava à direita da venda e cujo flanco esquerdo limitava com o terreno de João Romão. Comprou-o um tal Miranda, negociante português de fazendas na Rua do Hospício. A causa da mudança era afastar sua mulher, Dona Estela, senhora pretensiosa e com fumaças de nobreza, do alcance dos seus caixeiros. Miranda casara-se por interesses: a mulher trouxera-lhe um dote de oitenta contos de réis sem o qual não conseguiria manter a posição social que tanto prezava. Conformou-se e passaram a viver em
leitos