o Bem Amado
De Dias Gomes
Direção e Adaptação: Luiz Ventania
PRIMEIRO QUADRO
Música de abertura iluminação vermelha, luz vai mudando personagens entram lentamente..
AMBRÓSIA – Vamos beber algo na venda de seu Dermeval, Zeza?
ZEZA – É bom.
RAIMUNDA – Simbora.
DERMEVAL – (Indicando o Defunto) Mestre Leonel?
AMBRÓSIA – É. Embarcou, coitado.
DERMEVAL – (Dirige-se à venda) No mar?
AMBRÓSIA – Qui-o-quê. Iemanjá quis saber dele não.
RAIMUNDA - Esticou em terra mesmo.
ZEZA – É de hoje que ele não entrava num barco. Mal agüentava com o corpo.
RAIMUNDA - Quase cem anos nas costas, sabe como é.
AMBRÓSIA – Tava que nem saveiro velho, cheio de ostra pelo casco. Precisava mesmo ir pro estaleiro.
DERMEVAL – Também entornava um bocado.
AMBRÓSIA – Pra esquecer. Sabe o que é um pescador respeitado como ele foi ao fim da vida tendo quase que pedir esmolas?
ZEZA – A gente sempre dava para ele as sobras da pescaria.
RAIMUNDA - pititinga, chicharro, peixe miúdo.
AMBRÓSIO – Morreu sem ter dinheiro nem pro caixão.
DERMEVAL – Tinha parente não?
AMBRÓSIA – Ter tinha. Botou um bocado de filho no mundo, o falecido, que a terra lhe seja leve.
RAIMUNDA - Mas tudo levantou âncora. Uns foram pra Salvador, outros pra São Paulo. Por aqui só aparecia mesmo de vez em quando, a filha mais nova.
MOLEZA – Coisa besta é a vida; ontem tava vivo, hoje tá morto!
ZEZA – Vem beber algo conosco Totonha.
TOTONHA – (Vai à venda) Como foi?
AMBRÓSIA – A gente voltava da pescaria, hoje de manhã, eu Zeza mais Raimunda, encontramos ele estendido na praia, o cachorro lambendo a cara.
MOLEZA – Lambendo a cara, Dona Ambrósia?
AMBRÓSIA – E chorava. Chorava de correr lágrima.
TOTONHA – O cachorro?
AMBRÓSIA – Oxente, gente, já viu defunto chorar?
MOLEZA – Nem defunto, nem cachorro.
AMBRÓSIA – Quero que esta luz me cegue, se não é verdade.
ZEZA – Verdade sim. O bicho parecia saber que o velho tinha espichado.
RAIMUNDA - Chorava como gente.
AMBRÓSIA –