O ator narrador
O ATOR NARRADOR
“Recontar é sempre um ato de criação” Ecléa Bosi
Tenho mania de juntar cacarecos, pequenos objetos, retalhos, pedaços de lã, diários vários, começados e nunca acabados - o parto da Manuela, sonhos, idéias de espetáculos, esboços de cenas e assim por diante. Mania da Vó Maria que não jogava nada fora e ia alinhavando, peça por peça, criando um grande cordão guardado na gaveta. “Isso um dia pode servir para alguma coisa...” Esses guardados me ajudam a criar raízes, a mapear um caminho percorrido. Olhar para eles me liberta de mim mesma porque os recrio a cada novo contato. Ao mesmo tempo, me imprimem significado: por que guardei este e não aquele? Quando remexo nesse baú, o tempo passa gota a gota, espremido, a percepção se alargando. Alguns objetos jogo fora, perderam a cor, outros resistem e retornam para o seu lugar, lustro renovado e dividindo espaço com novas companhias. O mesmo faço com imagens, lembranças, memórias vividas. Revisito-as. Depois tenho dúvidas sobre sua filiação. Eu as vivi ou tomei emprestado? De qualquer modo são minhas. Descobri que só sei falar do que é meu. Daquilo que me perpassou. Talvez por isso guarde tanta coisa para não correr o risco de ficar muda. Tenho medo do vazio, de nele me perder, por isso o busco e dele fujo. Encontro Larrosa[1] que me fala sobre o “saber da experiência” e sinto um novo estralo, “é sobre isso que quero narrar!”. Desse lugar miúdo, “miguilim”, que quero lançar o olhar e alargar, alargar, expandir. E assim chegar ao outro e provocar. Quero falar do que me é próximo, próprio, que dele só eu mesma sei e desse lugar ninguém mais pode olhar.
Olha, agora! Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo