FÉ E RAZÃO NA APOLOGIA DA RELIGIÃO CRISTÃ DE PASCAL
Pascal indica, por assim dizer “dogmaticamente”, a maneira como a religião cristã deve ser considerada como o único meio de penetrarmos nessas “espantosas contrariedades” referentes à polarização constituinte da condição humana, situação que é para o homem causa de perplexidade e infelicidade. Com efeito, a “verdadeira religião” nos mostra que “há um Deus; que somos obrigados a amá-lo; que nossa verdadeira felicidade é estar nele, e o nosso único mal estar separado dele; que reconheça que estamos cheios de trevas que nos impedem de conhecê-lo e de amá-lo; e que assim como os nossos deveres nos obrigam a amar Deus, e as nossas concupiscências nos desviam dele, estamos cheios de injustiça. É preciso que nos dê satisfação dessas nossas oposições, em relação a Deus e ao nosso próprio bem; é preciso que nos ensine os remédios para essas impotências e os meios de obter esses remédios. ” O que Pascal enumera aqui são as oposições básicas das quais decorrem todas as outras que fazem do homem um ser dividido. A contradição de fundo é aquela que opõe nossos deveres para com Deus às nossas concupiscências: o predomínio destas nos mantém nas trevas e introduz a injustiça no próprio núcleo do nosso ser, na medida em que produz o afastamento de Deus. O homem não é apenas injusto, pelos seus pensamentos e ações; a injustiça, tornada constitutiva, aparece como aquilo que condiciona a sua própria natureza, enquanto corrompida. Nesse sentido, agimos contraditoriamente em relação a Deus e ao nosso bem porque todas as nossas ações estão comprometidas com a contradição que nos define. A religião cristã nos apresenta essa contradição, e assim se distingue da filosofia e das outras religiões que procuram superar a contradição atendo-se a um dos seus termos: grandeza ou miséria. Quando a filosofia nos faz crer que somos autárquicos e autossuficientes na prática do bem (estoicos) ela na verdade nos leva à presunção e ao orgulho como