A TRANSFORMAÇÃO DA VIDA HUMANA
Uma vida humana
Cada um de nós nasce enquadrado. Acordamos do nada e nos encontramos jogados dentro de uma classe, de uma raça, de uma nação, de uma cultura, de uma época. Nunca mais conseguimos nos desvincilhar completamente desse enquadramento. Ele nos faz o que somos.
Mas não tudo o que somos. O indivíduo sente e sabe, também, ser mais do que essa situação ao mesmo tempo definidora e acidental. Ela nos quer aprisionar num destino específico. Contra este, rebela-se, em cada pessoa, o espírito, que se reconhece como infinito acorrentado pelo finito.
E tudo o que quer o espírito é encontrar uma moradia no mundo que lhe faça justiça, respeitando-lhe a vocação para transgredir e transcender. Por isso, as raízes de um ser humano deitam mais no futuro do que no passado.
Entretanto, o indivíduo cedo precisa abandonar a idéia de ser tudo para que possa ser alguém. Escolhendo e abrindo um caminho, ou aceitando o caminho que lhe é imposto, ele se mutila. Suprime muitas vidas possíveis para construir uma vida real. Essa mutilação é o preço de qualquer engajamento fecundo. Para que ela não nos desumanize temos de continuar a senti-la: a dor no ponto da amputação e os movimentos fantasmas dos membros que cortamos fora. Precisamos imaginar a experiência das pessoas que poderíamos ter sido.
Depois, já mutilados e lutando, vemo-nos novamente presos dentro de uma posição que, por melhor que seja, ainda não faz jus àquele espírito dentro de cada pessoa que é o infinito preso no finito. Rendendo-nos, por descrença e desesperança, a essa circunstância, começamos a morrer. Uma múmia se vai formando em volta de cada de nós. Para continuar a viver até morrer de uma só vez, em vez de morrer muitas vezes e aos poucos, temos de romper a múmia de dentro para fora. A única maneira de fazê-lo é nos desproteger, provocando embates que nos devolvam à condição de incerteza e abertura que abandonamos