A nau
A Renascença viu surgir uma nova e estranha figura ao longo dos canais flamengos e dos rios da Renânia: a Nau dos loucos. Já por aquela época, os loucos tinham uma existência errante. Escorraçados das grandes cidades, expulsos de suas fortificações e condenados à peregrinação, foi se firmando o costume de confiá-los, também, aos barqueiros. Desta prática surgia a certeza de que os insanos iriam para longe o quê - nas palavras de Foucault - os tornava prisioneiros de sua própria partida. É o mesmo autor quem assinala o caráter simbó1ico da atitude: "a navegação entrega o homem à incerteza da sorte; nela, cada um é confiado ao seu próprio destino; todo embarque é, potencialmente, o último. É para outro mundo que parte o louco em sua barca louca; é do outro mundo que ele chega quando desembarca".
Ainda hoje, o imaginário social sobre a loucura se concebe no interior de uma embarcação. Tudo se passa como se os que experimentam sofrimentos psíquicos fossem, eles mesmos, navios à deriva aos quais seria preciso oferecer o competente comando. Coube à razão, em sua dimensão instrumental, a tarefa de oferecer um determinado discurso "científico" com o qual foram erguidos sólidos portos para a loucura. Como nas docas, estas construções foram ladeadas por muros e situadas à margem das cidades. Desde os antigos leprosários, transformados em manicômios na alta Idade Média, até às modernas clínicas psiquiátricas, muitos foram os "navios sofredores" que atracaram para nunca mais... Deles, já não temos notícias. Não é possivel reconstruir o lamento das caravelas avariadas pelos imensos corredores da exclusão, nem saber da tristeza dos submarinos contidos, amarrados, sedados. Sabemos, apenas, que eles eram seres humanos à procura da luz e que de claridade deve viver o homem.
A metáfora, entretanto, pode ser reinventada por todos nós que desejamos, luminosamente, alongar em nosso corpo a neve derramada. Em certo sentido, somos todos tripulantes de uma ampla