A natureza da raça
Manuela I. P. Pereira da Cunha
RESUMO:
Tendo sido gerado com intuitos pedagógicos, este texto pretende recensear as linhas de argumentação que se cruzaram entre os campos disciplinares da biologia e das ciências sociais para a desmontagem da noção de «raça». Tratando-se de uma categoria cuja particular densidade lhe advém em boa parte da referência à natureza, procura-se mais especificamente situar as modalidades em que ela figura naturalizada. Tal inclui, por extensão, um exame das mediações que fazem da própria visibilidade da «aparência física» uma construção social.
O presente texto tem origem no relatório elaborado para as Provas de Aptidão
Pedagógica, intitulado «"raça", racialização, racismos» (Cunha,1994), congregando também notas que preparei para fins lectivos. Alguns colegas e alunos sugeriram-me a sua publicação por razões pedagógicas, quer de ordem académica, quer de ordem da cidadania. Daí o tom porventura excessivamente didáctico com que abordo o tema, sobre o qual, de resto, não desenvolvo investigação empírica própria.
Apenas se examina aqui a equação natureza-«raça». Trata-se de desnaturalizar a noção de
«raça», casando os contributos da biologia com os das ciências sociais. Como antropóloga, concordo que assim desconstruída esta dimensão do conceito, mais importante é outra coisa: estudar os contextos da sua relevância para os actores sociais, a variabilidade dos seus sentidos, a dinâmica do seu uso nas relações sociais. Aqui a «raça» é real, é um dado do jogo, logo, um objecto -- e já agora um vocábulo -- inescapável.
Como cidadã, concordo que a igualdade de direitos não se funda na medida ou em qualidades objectivas, e por isso transcende a biologia - do mesmo modo que nada deve a qualquer outra ciência. Entre um e outro plano deve ser preservada uma saudável descontinuidade, pelo que em matéria de direitos não é devida a vénia à opinião dos cientistas.
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Como jocosamente escreve André