A morte na prática médica
Por José Carlos Salgado,
A morte é uma das mais autênticas problemáticas da condição humana, tendo demandado diligências para o seu enquadramento ao longo da história do pensamento ocidental. A sociedade contemporânea labora com a morte por meio da tentativa de suprimi-la de seu cotidiano. Vivemos na cultura do narcisismo, caracterizada pela dificuldade de discernir o que realmente somos, da fantasia dos produtos que consumimos. Vive-se, portanto, em um mundo “onírico, de impressões e aparências”. Escamoteia-se a morte porque ela é a comprovação de nossa finitude, nosso limite ultimo. Paralelamente, tem-se o início do processo de medicalização do morrer e da própria morte. O tradicional morrer não ocorre mais no leito em domicílio, com o enfermo assistido por familiares e pessoas amigas; passa a acontecer em instituições médicas, tendo como companhia equipamentos e profissionais atarefados. A morte torna-se solitária e, por isso, assustadora.
Essa parece ser uma organização que contempla a dessacralização e a banalidade da morte, cujas consequências são nocivas: os ritos de morte são simplificados, a repressão da dor é prescrita em lugar das manifestações outrora usuais, medicaliza-se o luto. No contexto hospitalar, o doente e, muitas vezes, a família não têm participação na decisão da morte. Trata-se da morte interdita em que o moribundo parte sem dizer e ouvir nada sobre seu momento final. Ademais, o desenvolvimento da medicina de alta tecnologia transformou a trajetória das doenças: prolongou-se a vida e o processo de morrer. Isso criou um novo modelo médico em que os profissionais têm de cuidar e conviver com pacientes gravemente enfermos, situação muitas vezes acompanhada de árduo sofrimento.
O médico tornou-se o responsável por combater e vencer a morte; é o ser tanatolítico
(grego: tanatos = morte, litis = destruição) que decide tecnicamente o momento da morte e as circunstâncias do morrer. Dessa maneira, o profissional