Stroke Manual
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A medicina é uma ciência?
Is medicine a science?
Ao longo destes 12 anos sempre me preocupei em escrever estes editoriais não tanto como indicadores das temáticas das revistas que o incluíam, nem mesmo tecer algumas considerações sobre alguns desses temas, mas sim como um espaço onde pudesse tecer considerações sobre temas da psiquiatria e, muitas das vezes sobre a profissão médica que é, no essencial, aquela a que todos nós, psiquiatras, nos sentimos ligados.
Neste editorial vou, pela primeira vez para um grande público, tecer algumas considerações sobre algo que há muito venho a pensar e a partilhar em círculos mais restritos. Tenho consciência que o tema é polémico e que vai gerar muita discussão. Mas fá-lo-ei, como sempre, com o maior rigor e máxima convicção. O tema é este: a medicina não é uma ciência, mas sim uma prática, muito embora seja uma prática racional, rigorosa e sustentada pela ciência.
Deixem-me, antes de mais dizer qual o sentido com que uso aqui a palavra “ciência”. Uso-a no sentido mais restritivo, positivista, newtoniana: ciência como a explicação de como as coisas funcionam, de como realmente são. Ciência que nos fornece factos que são entendidos como sendo certos, replicáveis e confiáveis. Uso esta noção positivista de ciência porque ela invade a nossa cultura, marcando presença forte na educação, nos media e nas artes.
Dito isto, comecemos por analisar a medicina e a sua prática.
Há duas coisas - para além do conhecimento profissional e técnico - que distingue os médicos dos outros profissionais: uma familiaridade com a morte e uma relação estranha com a ciência. E estas duas coisas não estão desligadas.
A morte está sempre presente, mas só raras vezes é discutida durante a formação médica. Nos primeiros anos, o contacto com a morte é feito através de um cadáver que rapidamente se transforma num objecto de culto do contacto com o curso médico, mas que na verdade