A Filosofia Da Composic A O
Trad. Diego Raphael
Em uma nota que neste momento tenho à vista, Charles Dickens diz o seguinte, referindo-se a uma análise que fiz do mecanismo de Barnaby Rudge: "Sabe que Godwin escreveu seu Caleb Williams de trás para frente? Começou emaranhando a matéria do segundo livro e logo, para compor o primeiro, pensou nos meios de justificar o que havia feito".
Parece-me difícil de acreditar que esse fora precisamente o método de composição de Godwin e, de fato, o que o mesmo confessa não está de acordo, de modo algum, com a idéia do Sr. Dickens. Mas o autor de Caleb Williams era um artista demasiado entendido para deixar de compreender as vantagens que pode obter com algum procedimento semelhante. Eis algo evidente: um plano qualquer que seja digno desse nome só pode ser traçado visando o desenlace antes que a pena ataque o papel. Só quando se tem continuamente presente a idéia do desenlace é que podemos conferir a um plano a sua indispensável aparência lógica e de causalidade, procurando fazer com que todas as incidências e, especialmente, o tom geral tendam a desenvolver a intenção estabelecida.
Creio que existe um erro radical no método empregado para se construir um conto. Algumas vezes, a história nos proporciona uma tese; outras vezes, o escritor é inspirado por um acontecimento contemporâneo; ou, no melhor dos casos, senta-se para combinar os feitos surpreendentes que hão de formar a base de sua narrativa, procurando introduzir as descrições, o diálogo ou o seu comentário pessoal onde quer que um resquício no tecido da ação lhe force a fazê-lo. Eu prefiro começar com a consideração de um efeito. Tendo sempre em vista a originalidade (porque é falso consigo mesmo quem se atreve a desprezar um meio de interesse tão evidente e fácil), digo-me, antes de tudo: "Dentre os inumeráveis efeitos ou impressões que é capaz de receber o coração, a inteligência ou, falando em termos mais gerais, a alma, qual será o único que eu deva