A democracia e seu não lugar
Márcio Bilharinho Naves1
Um longo processo no qual convergiram tanto as correntes liberais e neoliberais, como de “esquerda”, levou-nos a um espécie de consenso universal sobre a democracia como um valor e uma prática inerentes à vida social e política, e, assim, o horizonte absoluto da humanidade. A democracia passa a ser solenemente cultuada como o chão natural do homem racional e livre, a ponto de se interditar a sua crítica, nessa fórmula paradoxal: “ninguém pode ser contra a democracia”!
É assim que a nossa Constituição - resultado de manobras políticas das classes dominantes que resultaram no término do período da ditadura militar - é anunciada como o meio pelo qual se institui o “Estado Democrático”, que tem como fundamento, entre outros, a cidadania, a dignidade humana, os “valores” do trabalho e da iniciativa privada, e como objetivos, entre outros, edificar uma sociedade “livre, justa e solidária”. Deixemos de lado as evidentes contradições entre defender ao mesmo tempo o capital (“valor” da iniciativa privada) e o trabalho, e defender uma sociedade fundada na liberdade e na “justiça” e ao mesmo tempo na desigualdade estrutural e na dominação de classe próprias do capitalismo, e que o apelo à “fraternidade”, à
“harmonia social” e à “solução pacífica das controvérsias” tenta conciliar e, desse modo, dissimular. O que mais interessa, é que essa democracia passa a ser protegida contra eventuais ameaças
Professor do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.
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a ela, como quando é criminalizado todo atentado contra o
“Estado Democrático”: torna-se “crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”, tipificação que alcança igualmente o que é denominado, de modo vago e impreciso, de “terrorismo”. Assim