A CONSTITUIÇÃO DO ETHOS EM DIFERENTES INSCRIÇÕES TEÓRICAS
INTRODUÇÃO
A imagem de si que um locutor ou enunciador constrói no discurso não apenas pelo que enuncia, mas por sua postura e estilo, é designada pelo termo ethos. Essa noção, originada na retórica aristotélica, passa a ocupar um lugar nas reflexões sobre o discurso a partir dos anos 1980, com Dominique Maingueneau retomando e elaborando o entendimento de ethos retórico dentro da Análise do Discurso (AD). O conceito é introduzido em Gênese dos discursos (2008a, original de 1984), em que o modo de enunciação é abordado na oposição de diferentes discursos devotos no campo religioso, em capítulo intitulado “Uma semântica global”1.
Contudo, as primeiras aplicações ocorreram no discurso literário, em que o coenunciador é exclusivamente o intérprete/leitor. Em O contexto da obra literária: enunciação, escritor e sociedade (1995)2, Maingueneau afirma que o texto é enunciação estendida a um coenunciador que é necessariamente mobilizado para aderir “fisicamente” a um certo universo de sentido. Para estabelecer que o enunciador legitima seu dizer, em seu discurso, atribuindo-se uma posição institucional e marcando sua relação a um saber, o autor baseia-se na retórica antiga aristotélica (ethé), compreendida como o dizer implícito do orador ou sua personalidade mostrada através de sua maneira de se exprimir.
Na Retórica, o ethos (os costumes) faz parte da trilogia aristotélica dos meios de prova, junto do logos (os argumentos) e pathos (as paixões). Com Aristóteles o termo possui um duplo sentido, de um lado significa as virtudes morais que garantem credibilidade ao orador, phronesis (parecer ponderado), eunoia (dar uma imagem agradável de si) e areté (apresentar-se como um homem simples e sincero); de outro, designa uma dimensão social, na medida em que o orador convence ao se exprimir de modo apropriado a seu caráter e a seu tipo social. Logo, o ethos está vinculado ao exercício da palavra, ao papel que